25 fevereiro 2014

Vazia...

Fomos duas rotas, dois trajectos, demo-nos ao tempo que nos abrigou e dele fizemos breves instantes de alegria e prazer, fomos o que o tempo despejou e não quis. Atravessamos cidades, foi meu o teu princípio e teu o meu fim, vimos tanto vazio e quanto mais ruído mais se via o vazio.
A cidade estava tão triste, mas naquele lugar havia um porto seguro, havia o toque, havia o beijo, havia palavras, as boas e as más, as inúteis e as de morte, era preciso tudo, dar tudo para cairmos de rastos no vazio.
Num instante a vida cuspiu-nos para um canto qualquer e ali estávamos, o teu corpo diante do meu, nós duas, sem distância que interpõe o sonho e a crueldade, o teu corpo nu oferecendo-se agora a minha boca, fizemos o que nos foi pedido, foi um instante roubado ao tempo, fomos uma rota, um trajecto, um acidente, uma certeza que não haveria distância entre os nossos corpos.

Mas hoje estou tão vazia como o último copo da prostituta que não teve ninguém…

21 fevereiro 2014

Vencida...

Cheguei a este momento de vida, vencida pelo cansaço...
já não procuro as ruas cheias de pessoas expostas, nem sequer consegui ser uma delas...
escrevi tudo o que falhei, tudo o que me derrubou e aos poucos o mundo abandona-me mais, cansei de cuspir no papel a miséria que nos cerca todos os dias…
Anseio pelo dia que esquecerei o meu nome...
ou então o venderei a uma qualquer amante que queira uma última ilusão, já não me extasiam as palavras...
faço o que quero com elas, mas com o corpo não...
anda...
vai...
abandona-me ou então fica com as minhas palavras...
deixa-as que cubram a tua pele e depois cospe-as com o mesmo ódio que agora sinto do mundo…
Vou vestir-me de preto e ficarei mais bela que nunca para o meu último fôlego… 

18 fevereiro 2014

Espero...

Na frente uma página em branco, fazendo da tarde consolo distante, a espera repetida, desdobrada na infinidade dos passos, uma música quase tão perto do ser como uma lágrima, duplico o rosto na janela, entre a terra, o mar e o desejo de ti, onde ficámos, repetidas como o céu ou o silêncio que nos desmente. Recordo uma noite de mágicos cansaços, havia duas almas num monte, delírio onde não era possível maior proximidade, talvez isto não seja uma página em branco mas seja só a memória do que nesse instante se fez irresistível e tão frágil como o calor colorindo o meu peito, quantas mais memórias? 
Quantas vezes mais, rasgaremos uma cidade com o nosso abraço?
Quantas mais horas, terei para a tua recordação, para me inclinar sobre o finito e impossível? 
A página continua nos nossos peitos trancada, tanto faz seja branco ou não, a música adensa-se, a espera adianta-se, és pulso e ave, e o céu esteve sempre aqui, espero, espero-te…

09 fevereiro 2014

Carta...

Tantas vezes lembro sem parar a primeira noite em que de tanto falarmos comecei a sonhar, gostava que estivesses aqui, agora, comigo a partilhar em silêncio a noite fria que desce empurrada pelo vento e pela chuva e nos bastasse apenas o calor dos nossos olhos...
Foram tantos os dias que te chamei sem gritar, que te sonhei sem dormir... agora... agora, olho para trás e já não encontro o meu rasto onde guardava tantos momentos de vida, decerto perdeu-se na silêncio que nos separa... ou então terá fugido de mim…
Perdi o tempo em que quando pensava em ti pensava no futuro alegremente, hoje quando muito, se penso, só penso no passado...
Deixa lá o que há em mim é sobretudo cansaço, sim cansaço da subtileza das sensações inúteis, das paixões violentas por coisa nenhuma, de amores intensos, essas coisas todas, tudo isso faz um cansaço...
Quem me mandou a mim amar o infinito, desejar o impossível, querer tudo ou ainda um pouco mais e outras vezes não querer quase nada...